Terreiro de Umbanda Capa Preta das 7 Encruzilhadas e Baiano Zé do Coco

Nanã Buruquê é reverenciada como a orixá mais antiga do panteão afro-brasileiro, e sua presença na Umbanda carrega uma aura de mistério, respeito e profunda sabedoria. Representando o elo entre o início e o fim da vida, Nanã é vista como a senhora dos ciclos, da lama primordial de onde a vida se originou, e também da passagem final, acolhendo os espíritos em seu retorno ao mundo espiritual. Sua figura materna e ancestral está profundamente ligada aos elementos da terra e da água, especialmente às águas paradas, aos mangues e aos brejos, locais onde a matéria se transforma e renasce.

A energia de Nanã é densa e serena, marcada por um silêncio sábio que transcende o tempo. Ela é a representação da ancestralidade feminina e do acolhimento maternal mais profundo, aquele que vai além do cuidado imediato e adentra o terreno da consciência, da espiritualidade e da transmutação. Nanã Buruquê é associada à lama primordial, simbolizando a criação da vida a partir da matéria bruta e da união dos elementos fundamentais. Sua ligação com a lama não é apenas simbólica, mas espiritual: é nela que a vida começa e é nela que, um dia, todos retornaremos.

Na Umbanda, ela ocupa um papel fundamental na linha das almas, regendo os portais entre o mundo material e o espiritual. É através de sua força que os desencarnados são conduzidos com amor, paciência e justiça aos seus caminhos de evolução. Nanã não age com pressa. Sua ação é lenta, firme e certeira. É como a água parada que, embora aparentemente imóvel, esconde uma profundidade imensa. Ela ensina que tudo tem seu tempo certo, que há sabedoria no silêncio e que o verdadeiro poder não está no barulho, mas na quietude que transforma.

A imagem de Nanã é sempre marcada pela imponência e pela maturidade. Ela é representada como uma senhora idosa, de andar lento, mas de presença forte. Carrega seu ibiri, um cetro feito com folhas de palmeira e búzios, usado para varrer as más energias e abençoar seus filhos. Ao contrário de outros orixás que expressam suas forças de forma explosiva, Nanã age com introspecção e sutileza. Seus ensinamentos vêm na forma de intuições, sonhos e reflexões profundas. Ela toca a alma com doçura e firmeza, chamando seus filhos à responsabilidade e ao autoconhecimento.

O culto a Nanã tem raízes profundas nas tradições africanas e foi preservado por meio das religiões afro-brasileiras como o Candomblé e a Umbanda. Na mitologia iorubá, ela está associada à figura de uma divindade que testemunhou a criação do mundo e foi responsável por moldar o corpo humano com o barro. Assim, seu vínculo com a origem da vida é inseparável. Contudo, sua sabedoria não está apenas no início, mas também no fim: ela é a senhora da morte como transformação e passagem, e não como fim absoluto. Para Nanã, a morte é apenas o retorno à origem, o reencontro com o Todo.

Na prática umbandista, as giras em homenagem a Nanã são momentos de recolhimento e introspecção. Seus pontos cantados evocam um respeito quase solene, e seu toque nos atabaques é lento, com movimentos que conduzem à meditação e ao encontro interior. Quando incorpora em seus médiuns, a entidade que vem por Nanã traz sempre palavras pausadas, sábias, que convidam à reflexão. Não há espaço para pressa em sua presença. Ela convida à paciência, à aceitação dos ciclos da vida e à valorização das raízes. Em uma sociedade acelerada e consumida pelo imediatismo, a presença de Nanã é um bálsamo espiritual que nos relembra do valor da espera e da importância de compreender o passado.

Muitas vezes, Nanã é erroneamente temida por aqueles que não compreendem sua verdadeira natureza. Por estar associada à morte, ao cemitério e às águas paradas, sua figura pode ser confundida com algo sombrio. Mas sua energia é exatamente o oposto disso: Nanã é luz profunda, é compaixão ancestral, é o colo da avó que acolhe e guia com amor severo. Sua relação com a morte é de cuidado, de passagem e de evolução espiritual. Ela não tira a vida, mas acolhe os que a concluem, preparando-os para uma nova jornada.

Para seus filhos espirituais, Nanã é uma guia que exige responsabilidade, maturidade emocional e respeito pelas raízes. Ela ensina que não se pode construir o futuro sem compreender o passado e que cada etapa da vida tem seu propósito e valor. Seu arquétipo é o da matriarca que carrega as histórias da família, que guarda os segredos antigos e que compartilha apenas com quem está preparado para ouvir. Ela é guardiã do saber ancestral e da sabedoria que não se encontra nos livros, mas na vivência e na escuta silenciosa da alma.

Nanã é também uma das representantes da força feminina no sagrado, ao lado de outras grandes orixás como Iemanjá, Oxum e Iansã. Mas enquanto estas expressam maternidade, sensualidade e tempestade, Nanã representa a ancestralidade feminina em sua forma mais antiga e espiritualizada. É a avó de todas as mães, a sabedoria que precede o nascimento, a memória coletiva das mulheres que vieram antes de nós. Em tempos de resgate da espiritualidade ancestral e de valorização da força feminina, o culto a Nanã se torna ainda mais necessário e atual.

Nos dias de hoje, em que muitas pessoas buscam se reconectar com suas raízes espirituais, a energia de Nanã surge como um convite para olhar para dentro e compreender os ciclos da vida com mais profundidade. Ela nos ensina a aceitar as fases difíceis, a respeitar os ritmos da natureza e a compreender que toda transformação passa pela morte simbólica de algo que já não serve. Sua força está presente nos momentos de perda, mas também nos instantes de renascimento interior. Ela caminha conosco nos tempos de luto e nos embala nos momentos de cura.

Ao invocar Nanã Buruquê, não se pede pressa, mas sabedoria. Não se busca agitação, mas paz. Não se deseja a força que destrói, mas a que transforma. Seus filhos aprendem que a espiritualidade não é feita apenas de festas e celebrações, mas também de silêncio, de recolhimento e de respeito pelo mistério da vida. Em cada ponto cantado, em cada oferenda simples deixada com fé, está a certeza de que há uma força maior cuidando dos ciclos, ensinando a cada um o momento de parar, refletir e renascer.

Por tudo isso, Nanã Buruquê permanece como uma das figuras mais respeitadas da Umbanda. Sua sabedoria atravessa gerações, sua energia cura as dores mais profundas e sua presença nos conecta com aquilo que é eterno. Ao nos aproximarmos dela, somos convidados a ouvir com o coração, a sentir com a alma e a viver com mais consciência do nosso lugar no mundo e do nosso papel na grande teia da vida.

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